No. 5.

Instrucções regulando a neutralidade do Brasil na luta dos Estados-Unidos da America do Norte.

Illm. e Exm. Sr.: Convindo dar maior desenvolvimento á circular deste ministerio do 10 de Agosto de 1861, que estabeleceu os principios reguladores da neutralidade que o governo imperial resolveu assumir em presença da luta dos Estados-Unidos da America do Norte, ja para explicar alguns desses principios, jà para indicar em geral os casos em que se deve julgar violada a neutralidade e os meios de a fazer effective; manda sua magestade o imperador declarar a V. Ex. o seguinte, para seu conhecimento e devida execução.

Pelas palavras “salvo o caso de arribada forçada” mencionadas na referida circular, deve tambem entender se:

[Page 144]

[595] Que o navio não será obrigado a sabir do porto dentro do prazo de 24 boras, se não houver podido effectual *os concertos indispensaveis para que possa expòr-se ao mar sem risco de perder se.

Se igual risco se der por causa do mão tempo.

Se finalmente for acossado pelo inimigo.

Nestas hypotheses flea ao arbitrio do governo na còrte e dos presidentes nas provincial determinar, á vista das circumstancias, o tempo dentro do qual deverá o navio sabir.

Os corsarios, ainda que não conduzão presas, não serão admittidos nos portos do imperio por mais do 24 boras, salvo o caso de arribada forçada.

As presas de que trata a eircular do 10 de Agòsto são os navios apresados pelos belligerantes ou pelos corsarios, de modo que a pena imposta aos que conduzerem presas não é applicavel aos que tão sómente trouxerem objectos provenientes dellas, não podendo, porém, em caso algum, dispòr dos mesmos objectos assim como das presas.

De conformidade com a circular citada, os navios belligerantes não podem receber nos portos do imperio senão as vitualhas e provisões navaes de que absolutamente careção, e fazer os concertos necessarios para a continuação da viagem.

Esta disposição presuppõe que o navio vai com destino para um porto qualquer, e que só de passagem e por necessidade demanda um porto do imperio.

[596] A presupposição da circular não se verificará, porém, se um mesmo navio procurar o porto amiudadas vezes, ou se, depois de ter refrescado em um porto, entrar *em outro logo depois, pretextando o mesmo fino, salvo os casos provados de força maior.

A frequencia, pois, sem motivo sufficientemente justiftcado, deve autorizar a suspeita de que o navio não está realmente em viagem, mas percorre os mares vizinhos do imperio para apresar navios inimigos.

O asylo e socorros que em tal caso se preste a um dos belligerantes poderá ser qualiflcado como auxilio ou favor prestado contra o outro, e portanto como quelra da neutralidade declarada.

Convem conseguintemente que um navio, que ja uma vez tenha entrado em um dos nossos portos, não seja recebido no mesmo porto ou em outro, pouco depois de haver entrado no primeiro, para receber vitualhas, provisões navaes, e fazer concertos, salvo o caso devidamente provado de força maior, senão depois de um prazo razoavel que faça crer que o navio jà se tinha retirado das costas do imperio, e a ellas regressou depois de ter concluido a viagem a que se destinava.

[597] Por motivos identicos aos que ficão expostos, não será permittido nos portos do imperio que os navios belligerantes recebão generos vindos directamente para elles em navios de qualquer nação; o que signiflcaria que não procurão os belligerantes os nossos iortos de passagem, e por necessidade imprevista, mas com o proposito de permanecer na proximidade das costas do imperio, tomando por isso de antemao as cautelas precisas para se fornecerem dos meios de continuar *em suas emprezas. A tolerancia de um semelhante abuso equivaleria a permittir que os portos do imperio servissem aos belligerantes de base de operagões.

Ficando assim explicados os principios da circular do 10 de Agosto de 1861, cumpre que nos portos, bahias e ancoradouros de imperio se exija dos belligerantes a fiel observancia das seguintes condições.

10.
Os navios de guerra admittidos em um ancoradouro ou porto deverão permanecer na tranquiilidade a mais perfeita, e na mais complete [Page 145] paz com todos os navios que ahi estiverem, ainda os de guerra, ou armados em guerra, do seu inimigo.
20.
Não poderão augrnentar a sua tripolação, contractando marin-heiros de qualquer nação que seja, inclusive compatriotas seus.
30.
Não poderao igualmente augrnentar o nuinero e o calibre de sua artilharia, nem por qualquer modo aperfeiçoal-a, comprar ou embarcar armas portateis, e munições de guerra.
40.
Não pòderao pòr se de emboscada nos portos ou ancoradouros, ou nas ilhas e cabos dos mares territoriaes do imperio, á espreita de navios inimigos que entrem ou saião; nem mesmo procurar informações a respeito daquelles que sao esperados ou que devein sahir; e nem finalmente, fazer-se à vela para correr sobre um navio inimigo avistado ou signalado.
50.
[598] Não poderão fazer-se á vela immediatemente *depois de um navio pertencente a uma nação inimiga ou neutra.
Sendo a vapor ou de vela tanto o navio que sahir como aquelle que ficar, mediará entre a sahida de um, e de outro o prazo de 24 boras. Se, porem, for de vela o que sahir, e a vapor o navio que ficar, não poderá este sahir senão 72 horas depois.
60.
Durante a sua estada no porto, não poderão os belligerantes em-pregar nem a força, nem a astucia para rehaver presas feitas aos seus concidadãos que se acharem no mesmo asylo, ou para libertar prisioneiros de sua nação.
70.
Não poderão proceder no porto neutro, nem á venda, nem ao resgate das presas feitas ao seu inimigo, antes que a validade da presa seja reconhecida pelos tribunaes competentes.

Fica subentendido que as infracções de cada uma destas sete condições constituirão otros tantos casos de violação da neutralidade do imperio, sujeitando os infractores ás penas que lhes forem impostas.

E para fazer effectiva a neutralidade, cohibindo e reprimindo os abusos que se practicarem, deverão ser empregados os seguintes meios.

10.
Verificar previamente a concessao do asylo, o caracter do navio, e seus precedentes em outros portos do imperio, para depois conceder ou negar a entrada e a permanencia, escassear o favor, ou redobrar de vigilancia.
*20.
[599] Marcar ancoradouro onde os navios estejão debaixo das vistas immediatasdapolicia, longe de paragens e circumstancias suspeitas.
30.
Mandar fiscalisar desde a entrada até a sahida, o movimento dos belligerantes, verificando a innocencia dos objectos que embarcarem.
40.
Ordenar a policia que não consinta no desembarque e venda dos objectos provenientes de presas.
50.
Impedir que se fagao presas nas aguas territoriaes do imperio, empregando para isso à força, sendo necessario; e, se as presas ou objectos, dellas provéténtes, entrados nos portos do imperio, houverem sido feitos nas mesmas aguas territoriaes, deverão ser arrecadados pelas autoridades compéténtes para se restituirem aos seus legitimos proprietaries, considerandose sempre nulla a venda de taes objectos.
60.
Não admittir nos portos do imperio o belligerante que uma vez houver violado a neutralidade.
70.
Fazer sahir immediatamente do territorio maritimo do imperio, não lhes fornecendo cousa alguma, os navios que tentarem violar a neutralidade.
80.
[600] Finalmente, usar da forga, e, na falta ou insufficencia desta protestar solemne e energicamente contra o belligerante que sendo advertido e intimado não desistir da violação da neutralidade do imperio; [Page 146] ordenando às fortalezas e aos navios de guerra que atirem sobre o *belligerante que acommetter o seu inimigo no nosso territorio, e sobre o navio armado que se dispuzer a sabir antes de decorrido o tempo marcado depois da sahida do navio pertencente ao belligerante contrario.

E porque o vapor Alabama dos Estados-Confederados violou manifestamente a neutralidade do imperio, por ter infringido as disposições da circular do 10 de Agosto de 1861, tornando a ilba Rata em base de suas operações, pois que para alli conduziu presas, e sahiu a fazer outras, que mandou queimar depois de as haver conservado alguns dias no ancoradouro da mesma ilha; ordena sua magestade o imperador que o dito vapor não seja mais recebido em porto algum do imperio.

Renovo a V. Ex. as segurangas de minha perfeita estima, e distincta consideração.

MARQUEZ DE ABBANTES,
As. Ex. o Sr. Presidente da Provincia de . …